domingo, 4 de julho de 2010

ANDAMENTO

Despertou em mais um dia como a quem desperta um mágico.
Fez careta pro espelho como num filme trágico.
Sentiu um peso na cabeça e se lembrou de sábado.
E a boca secou pedindo mais um trago.
Resmungou alguma coisa prá mulher do lado.
E saiu estupefato xingando o carro.
Pois esqueceu dormindo de farol ligado.
Prá pegar um baú arriado de tão lotado.
Tendo que ficar de lado prá não encostar o saco.
No traveco que o encarava suspirando alto.
Deu até vontade de fumar um maço de cigarros.
Mas prometeu largar até o aniversário.
Do caçula que chorava e chiava de tão asmático.
Quando se viu estava com um soluço engasgado.
No peito doído de pulmão furado.
O dia mal começou e já ficou cansado.
Se pudesse voltar já tinha a muito voltado.
Mas passou ignorando o olhar do encarregado.
Encarando-o triste e penalizado.
O Departamento tinha espalhado o resultado.
Deu positivo e o mal já era adiantado.
Que se acentuava com o fumo já dado como culpado.
De andar desanimado com o seu corpo magro.
Ficou calado com um olhar estático.
Feito uma mosca encarando a boca do sapo.
O médico contou qual era o caso.
Da gravidade da peça que o destino havia pregado.
Nada falou e nada falando foi embora largando o trabalho.
Nem ligou se o dia lhe fosse descontado.
Sentiu enfim que o seu dia então tinha chegado.
Achou por bem então aceitar o fato.
Fumando no meio da ponte com o senso parado.
Encostado no parapeito cheio de traçado.
Até ficar de pé parando o tráfego.
Dançando no parapeito cantando alto.
Teve quem chegou e quis puxar um papo.
Mas ele ficou firme e não se fez de rogado.
Pulou como a um Ícaro, mas solitário.
Sumiu no breu sem querer ser salvo.
No fim do outro dia foi encontrado.
Pálido, lanhado e muito inchado.
Reconhecido por quem dormiu ao seu lado.
Dividindo gemidos mordidos e risos baixos.
Contando causos de dias passados.
Com o seu amor calado de olhar estático.